quarta-feira, 21 de abril de 2010

"filosofando com o padre"

Outro livro bem legal, agora tratando um pouco de comportamento humano. O livro é " A volta do filho pródigo", escrito por um padre holandês, Henri J. M. Nouwen

Algumas coisas desse livro são muito interessantes, ele une filosofia com vida real e deixa bem claro algumas fraquezas humanas. Achei bastante pertinente para nós ocidentais, bem diferente das filosofias orientais, tão incompreensíveis, ou pelo menos inacessíveis para nossa capacidade ocidental. Aqui vão alguns trechos que achei de grande veracidade. Como sempre para quem quiser e gostar, leia o livro todo, ele contem muitas partes religiosas, por ter sido escrito por um padre católico. Não incluí essas partes, por considerar religião uma coisa muito pessoal, não cabendo aqui esse tipo de discussão.
Ele aborda o tema da parábola bíblica :"A volta do filho pródigo" que diz:
"Havia um homem que tinha dois filhos. O mais jovem disse ao pai: "Pai, dá-me a parte da herança que me cabe". E o pai dividiu os bens entre eles. Poucos dias depois, ajuntando todos os seus haveres, o filho mais jovem partiu para uma região longínqua e ali dissipou a herança numa vida devassa.
E gastou tudo. Sobreveio àquela região uma grande fome e ele começou a passar privações. Foi, então, empregar-se com um dos homens daquela região, que o mandou para os campos cuidar dos porcos. Ele queria matar a fome com as bolotas que os porcos comiam, mas ninguem lhas dava. E caindo em si, disse: "Quantos empregados de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome! Vou-me embora, procurar meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou mais digno de ser chamado teu filho. Trata-me como um de teus empregados". Partiu, então, e foi ao encontro de seu pai.
Ele estava ainda longe, quando seu pai o viu, encheu-se de compaixão, correu e lançou-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos. O filho, então, disse-lhe: Pai , pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho". Mas o pai disse aos seus servos: "Ide depressa, trazei a melhor túnica e revesti-o com ela, pondo-lhe um anel nos dedos e sandálias nos pés. Trazei o novilho cevado e matai-o; comamos e festejamos, pois este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado!". E começaram a festejar.
Seu filho mais velho estava no campo. Quando voltava, já perto de casa ouviu músicas e danças. Chamando um servo, perguntou-lhe o que estava acontencendo. Este lhe disse: "É teu irmão que voltou e teu pai matou o novilho cevado, porque o recuperou com saúde". Então ele ficou com muita raiva e não queria entrar. Seu pai saiu para suplicar-lhe. Ele, porém, respondeu a seu pai: "Há tantos anos que eu te sirvo, e jamais transgredi um só dos teus mandamentos, e nunca deste um cabrito para festejar com meus amigos. Contudo, veio esse seu filho, que devorou teus bens com prostitutas, e para ele matas o novilho cevado!".
Mas o pai lhe disse: "Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Mas era preciso que festejássemos e nos alegrássemos, pois teu irmão estava morto e tornou a viver; ele estava perdido e foi encontrado!".

A partir dai o autor vai se colocando no lugar de cada uma das pessoas envovidas na trama.
Primeiro se sente o filho pródigo, a seguir o filho mais velho e termina por se sentir , ou pelo menos achar que deve tomar o papel do pai. Em cada uma das situações, principalmente a do filho mais velho, que sempre permaneceu na retidão e ao lado do pai, ele vai analisando os sentimentos e refletindo sobre eles, dando-nos aspectos espetaculares de sentimentos vividos por todos nós, em situações múltiplas de nossas vidas.
Quem de nós não passou por isso:
"Constantemente caindo numa velha armadilha, antes mesmo que eu aperceba disso, descubro-me imaginando porque alguém me magoou, rejeitou-me ou não prestou atenção em mim. Sem dar conta, vejo-me remoendo o sucesso dos outros, minha própria solidão e a maneira pela qual o mundo se aproveita de mim. Apesar de minhas boas intenções, muitas vezes me pego sonhando em me tornar rico, poderoso e célebre. Eu tenho tanto medo de não ser amado, de ser culpado, posto de lado, superado, ignorado, perseguido e morto, que estou constantemente criando estratégias para me defender e consequentemente garantir o amor que acho que preciso e mereço.
Qualquer crítica me deixa zangado e a menor rejeição me deprime. O menor elogio levanta meu espírito, um pequeno sucesso me anima. Bem pouco é necessário para me levantar ou me deixar para baixo. Frequentemente sou como uma embarcação num oceano, completamente ao sabor de suas ondas. O tempo e energia que consumo tentando manter o equilíbrio e evitando ser abatido e naufragar mostra que minha vida é uma luta pela sobrevivência. Não uma luta abençoada, mas um questionamento preocupado que resulta da idéia errada de que é o mundo que dá os meus parâmetros.
Enquanto eu ficar perguntando: "Você me ama? Você realmente me ama?", eu confiro todo o poder às vozes do mundo e me coloco em situação de dependência porque o mundo esta cheio de "ses". O mundo diz: "Sim eu o amo se você é bonito, inteligente e rico. Eu amo você se tem boa esducação, bom emprego e bons relacionamentos. Amo você se você realiza muito, vende muito, compra muito". Há "ses" sem número escondidos no amor do mundo. Esses "ses" me escravizam uma vez que é impossível responder adequadamente a todos eles. O amor do mundo é e será sempre condicional. Enquanto eu buscar o meu verdadeiro eu no mundo condicional, ficarei "preso" ao mundo, tentando, caindo e tentando novamente. É um mundo que leva à decadência, porque o que oferece não preenche o anseio mais íntimo do meu coração.
"Decadência pode ser a melhor palavra para explicar o vazio que tão profundamente permeia a nossa sociedade contemporânea. Nossos hábitos fazem que nos apeguemos àquilo que o mundo chama de realização pessoal acúmulo de fortuna e poder; obtenção de status e admiração; consumo excessivo de comida e bebida, e satisfação sexual, sem fazer distinção entre concupisciência e amor. Esses hábitos criam expectativas que só podem deixar de satisfazer nossas verdadeiras necessidades. Enquanto cultuamos os valores mundanos, nossos hábitos levam-nos a indagações infrutíferas no "país distante", fazendo com que nos defrontemos com desilusões sem fim, ao mesmo tempo que dentro de nós sobra um vazio.

Quando a cabeça de um homem é raspada, quer seja na prisão ou no exército, num trote de calouros ou num campo de concentração, ele é despojado de um de seus traços de personalidade. Essa frase esta bem aplicada dentro do contexto do livro, aqui ela fica meio sem conexão, mas me chamou a atenção por ser muito interessante. Mesmo com animais isso ocorre, quando tosamos muito os pelos de um cachorro, que não esta acostumado assim, ele fica alterado e aparentemente deprimido, será que se sentem despersonalizados? possivelmente!

Venho mais uma vez afirmar que são trechos legais do livro que eu compilei nesse resumo, não tem uma continuadade correta, o que mais me chamou atenção e achei legal é o que anotei aqui.

Quanto as conjecturas sobre o filho mais velho, aquele que permaneceu junto ao pai, trabalhando sem exigir sua herança, elas são de uma veracidade espetacular e cabíveis a todos seres humanos, em múltiplas situações. É o famoso "perdido em ressentimentos".
Muitas vezes imagino se não são especialmente os filhos mais velhos que querem corresponder às expectativas de seus pais e ser considerados obedientes e exemplares. Muitas vezes querem agradar. Muitas vezes receiam desapontar seus pais. Mas muitas vezes experimentam, bem cedo na vida, uma certa inveja relativamente a seus irmãos e irmãs mais jovens, que parecem se preocupar menos em agradar e estão muito mais à vontade para "viver sua própria vida". Para mim certamente foi assim. E sempre alimentei uma estranha curiosidade pela vida de rebeldia que eu não ousaria viver, mas que outros, ao meu redor, viviam.
É estranho dizer isso, mas, no fundo do meu coração, tenho tido sentimento de inveja em relação ao filho rebelde. É a emoção que desperta quando vejo meus amigos se divertindo, fazendo toda sorte de coisas que condeno. Eu classifiquei seu comportamento como impróprio e mesmo imoral, mas ao mesmo tempo muitas vezes me perguntei porque eu não tinha coragem de, pelo menos em parte, fazer a mesma coisa.
A vida regrada e correta que tanto me orgulho ou pela qual sou elogiado se torna, algumas vezes, como um peso que foi colocado nos meus ombros e continua a me incomodar, mesmo quando já a aceitei de tal maneira que não dá para mudar. Não tenho dificuldade em me identificar com o filho mais velho da parábola, que se queixava: "Há tantos anos que eu te sirvo, e jamais transgredi um só de teus mandamentos, e nunca me deste um cabrito para festejar com meus amigos". Nesta queixa, obediência e dever se tornaram um peso e o trabalho, uma excravidão.
Fiquei em casa e não me afastei, mas não vivi uma vida com liberdde na casa de meu pai. Minha zanga e inveja mostraram-me minha própria sujeição.
Isso não é exclusividade minha. Há muitos filhos e filhas mais velhos que estão perdidos enquanto ainda em casa. É esta derrota - caracterizada por julgamento e condenação, raiva e ressentimento, amargura e ciúme - que é tão perniciosa e prejudicial ao coração humano.
Muitas vezes pensamos em derrota em termos de ações que são facilmente identificáveis, até espetaculares. O filho mais jovem pecou de maneira que é facilmente reconhecível. O seu desatino é óbvio. Ele empregou mal o seu dinheiro, tempo, amigos, seu próprio corpo. O que fez foi errado; não só a família e amigos sabiam disso, mas ele mesmo. Ele se rebelou contra a moral e deixou-se seduzir pela sua própria concupisciência e ganância. Há algo de claramente definido a respeito de sua má conduta. Depois, tendo visto que esse procedimmento errado não levava senão à miséria, o filho mais jovem recobrou o bom senso, deu a volta e pediu perdão. Temos aqui uma falha humana clássica, com uma decisão acertada. Fácil de entender e fácil de aceitar.
O desacerto do filho mais velho, entretanto, é mais dificil de identificar. Afinal de contas, ele fez tudo o que devia. Foi obediente, cumpridor de suas obrigações, respeitador das leis e trabalhador. As pessoas o respeitavam. admiravam-no, elogiavam-no e consideravam-no, igualmente, um filho modelo. Aparentemente, o filho mais velho era sem defeitos. Mas quando se defronta com a alegria do pai pelo filho que volta, surge uma onda de revolta que explode, chegando à superfície. De repente, aparece ali nitidamente visível uma pessoa ressentida, orgulhosa, má, egoísta; alguém que permaneceu profundamente escondido apesar de estar crescendo e se fortalecendo ao longo dos anos.
Olhando bem para mim, e depois à minha volta, para a vida de outros, pergunto o que causa mais dano: luxúria ou ressentimento. Há tanto ressentimento entre os "justos" e os "corretos". Há tanto julgamento, condenação e preconceito entre os "santos". Há tanta raiva contida entre as pessoas que são muito preocupadas em evitar "o pecado".
É dificil avaliar o desatino do "santo" ressentido precisamente porque esta tão intimamente ligado ao desejo de ser bom e virtuoso. Sei, por experiência própria, como me esforcei para ser bom, aceito, aprovado e um exemplo que valesse para os outros. Havia sempre o esforço consciente de evitar armadilhas do pecado e o medo constante de ceder à tentação. Mas com tudo isso, havia uma seriedade, uma intensidade moral e até um pouco de fanatismo, que fizera com que fosse mais e mais dificil me sentir à vontade na casa de meu pai. Tornei-me menos livre, menos espontâneo, menos brincalhão e os outros começaram a cada vez me ver como alguém um tanto "pesado".

Sem alegria
Quando ouço as palavras com as quais o filho mais velho agride o pai - justificando-se e pedindo reconhecimento, palavras ciumentas - ouço uma queixa mais profunda. É a queixa que vem do coração que acha que nunca recebeu o que lhe era devido. É a queixa expressa de inúmeras maneiras, sutis ou não, formando uma montanha de ressentimento, É a queixa que brada: "Esforcei-me tanto, trabalhei por tanto tempo, fiz o possível e mesmo assim não recebi o que outros recebem tão facilmente. Porque as pessoas não me agradecem, não me convidam, não brincam comigo, não me consideram, enquanto prestam tanta atenção àqueles que levam a vida de maneira trivial e leviana?".
É nessa queixa declarada ou não que reconheço o filho mais velho em mim. Muitas vezes me surpreendi reclamando de pequenas rejeições, pequenas indelicadezas, pequenas negligências. Volta e meia há dentro de mim murmúrios, lamentos, resmungos, queixas que continuam mesmo contra minha vontade. ...Essa queixa minha é sombria e pesada. Condenação de outros, condenação própria, justificativas e arrependimentos vão se fortalecendo de maneira cada vez mais prejudicial. Cada vez que me deixo levar por isso, entro num espiral de auto-rejeição. À medida que me deixo arrastar ao interior do vasto labirinto das minhas queixas, fico mais e mais perdido, até que, no fim, acabo me achando a pessoa mais incompreendida, rejeitada, negligenciada e deprezada deste mundo.
De uma coisa estou certo: queixar-se é contraproducente e nocivo. Quando expresso minhas queixas com intento de merecer simpatia e receber a satisfação que tanto desejo, o resultado é sempre o oposto do que o que queria obter. Alguém que reclama é alguém dificil de conviver e poucas pessoas sabem como responder às queixas feitas por alguém que se rejeita. O trágico é que muitas vezes, uma vez expressa, a lamúria leva ao que mais se queria evitar: um afastamento maior.

Não é bom ser obediente, respeitoso, observador das leis, trabalhador e capaz de sacrifício? E no entanto parece que meus ressentimentos e queixas estão misteriosamente ligados a essas mesmas atitudes merecedoras de elogios. Essa ligação muitas vezes faz com que me desespere. No mesmo momento que quero falar e agir com maior generosidade, sinto-me envolvido por raiva e ressentimento. E também parece que exatamente quando quero ser realmente altruísta, sinto, de forma obsessiva, necessidade de amor. Exatamente quando faço o possível para desempenhar bem uma tarefa, pergunto-me por que outros não se doam como eu. Quando penso ser capaz de superar minhas tentações, sinto inveja daqueles que sucumbiram às suas. Parece que onde quer que se encontre meu lado virtuoso, aí também existirá um queixoso ressentido.
Aqui me defronto com minha verdadeira pobreza. Sinto-me totalmente incapaz de extirpar meus ressentimentos. Estão tão profundamente encravados na textura de meu ser interior que arrancá-los parece algo como uma autodestruição. Como me livrar deles sem arrancar as virtudes também?
Será que estamos tão enrodilhados em nossas prerrogativas que estamos destinados, contra nossa vontade, a ficarmos do lado de fora, atolados em raiva e ressentimento?
Não consigo me perdoar. Não consigo me sentir amado. Por mim mesmo não posso sair do terreno da minha raiva.
Que maravilha se pudessemos ficar livres dos ressentimentos e da raiva e nos tornássemos livres para amar sem a necessidade de precisar agradar ou merecer aprovação.
O que nos leva a esse tipo de situação livre são confiança e gratidão.
Confiança é aceitar de coração que se é amado e gratidão por esse amor.
A gratidão é o oposto de ressentimento que nos dizem que não recebemos o que merecemos, sentimos sempre inveja.
A gratidão é uma escolha consciente. Posso ser grato mesmo quando minhas emoções e sentimentos estejam ainda impregnados de mágoa e ressentimentos. É incrivel quantas ocasiões surgem em que posso optar pela gratidão em vez de lamúrias. Posso preferir ser agradecido quando sou criticado, mesmo quando meu coração ainda responde com amargura. Posso optar por falar de bondade e beleza, mesmo quando interiormente ainda procuro alguém para acusar ou algo para achar feio. Posso escolher ouvir vozes que perdoam e olhar os rostos dos que sorriem, mesmo enquanto ainda ouço vozes de vingança e vejo trejeitos de ódio.
A opção pelo agradecimento poucas vezes ocorre sem verdadeiro esforço. Mas todas vezes que faço esssa opção, a próxima escolha se torna mais fácil, mais livre, um pouco menos consciente. Porque cada graça que agradeço se abre para outra e mais outra até que, finalmente, até o mais normal, óbvio e aparentemente mundano acontecimento ou encontro resulta em algo repleto de graça. Há um provérbio estoniano que diz: "Quem não agradece o pouco não agradecera o muito". Atos de reconhecimento fazem que a pessoa se torne agradecida porque, passo a passo, mostram que tudo é graça.
Tanto a confiança como a gratidão exigem a coragem de correr risco porque a desconfiança como o ressentimento, querendo continuar a fazer parte do meu modo de ser, me previnem constantemente contra o perigo de abandonar meus cálculos cuidadosos e previsões reservadas.

Isso significa amar sem esperar ser amado, dar sem desejar receber, convidar sem esperar ser convidado, abraçar sem esperar ser abraçado. É o ideal, não tem a menor dúvida, porém com disse Nietzsche "Humano, demasiadamente humano", isso é praticamente impossível, somos humanos queremos retribuições pelos nossos atos bons, aliás exigimos essa troca, portanto um pouco disso , outro pouco daquilo, faz parte de nossas vidas e realmente nos faz bem.

A parábola do Amor Paterno: o filho que volta e o pai o acolhe. Outro dilema humano apresentado nessa parábola e envolvendo o filho mais velho é: aceitar ou rejeitar que o amor de seu pai esta acima de comparações, ousar ser amado como ele acha que deveria ser amado.

Para mim não é facil ter essa compreensão. Num mundo que constantemente compara as pessoas, classificando-as em mais ou menos inteligentes, mais ou menos atraentes, mais ou menos bem sucedidas, não é fácil acreditar num amor que não faz o mesmo. Quando vejo alguém ser elogiado é dificil não me achar menos merecedor de elogios; quando leio a respeito da generosidade e da bondade de outras pessoas, é dificil não inquirir se eu mesmo sou tão generoso e benevolente quanto eles; e quando vejo troféus, recompensas e prêmios sendo entregues a pessoas notáveis, não posso deixar de me perguntar por que isso não acontece comigo.

O mundo em que cresci é um mundo tão cheio de graduações, marcas e estatísticas que, consciente ou inconscientemente, procuro sempre encontrar a minha medida em relação aos outros. Minha tristeza e alegria na minha vida advém de meu comparar, e muito, se não tudo, deste comparar é inútil, representando enorme perda de tempo e energia.

Há outra parábola que retrata bem essa situação, é sobre os "trabalhadores da vinha": o dono da vinha recompensa da mesma maneira os que trabalharam uma hora somente e os que fizeram "um trabalho pesado ao calor do sol", um sentimento de irritação ainda brota dentro de mim.

Porque o dono da vinha não pagou em primeiro lugar aqueles que trabalharam muitas horas e depois surpreendeu os retardatários com a sua generosidade? Por que, ao contrário, ele paga primeiro os trabalhadores da undécima hora, criando falsa expectativas para os outros e despertando amargura e ciúmes desnecessários?

Não havia antes me ocorrido que o dono da vinha poderia desejar que os trabalhadores das primeiras horas pudessem se regozijar com a generosidade dispensada aos que vieram mais tarde. Nunca me passou pela cabeça que ele possa ter agido supondo que aqueles que haviam trabalhado todo o dia na vinha ficariam muito agradecidos por terem tido a oportunidade de trabalhar para o seu patrão e ainda mais reconhecerem como ele é uma pessoa generosa. É preciso que haja uma íntima reviravolta para aceitar esse modo de pensar isento de comparação.

A essência da luta espiritual de todo ser humano esta em : a luta contra a auto-rejeição, desprezo e aversão. É um combate ferrenho porque o mundo e seus demônios conspiram para que eu me considere sem valor, incapaz e insignificante. Muitas das economias consumistas sobrevivem manipulando a baixa auto-estima de seus usuários e criando, por meio de recursos materiais, expectativas de espírito. Desde que eu permaneça "por baixo", posso facilmente ser tentado a comprar coisas, conhecer pessoas ou ir a lugares que prometam uma mudança radical no meu próprio conceito, mesmo que na realidade não levem a tal resultado. Mas toda vez que concordar em ser assim manipulado ou seduzido terei ainda mais motivos para me rebaixar e para me sentir como a criança rejeitada.

Por muito tempo achei que era uma espécie de virtude ter baixa auto-estima. Fui tantas vezes previnido contra orgulho e presunção que acabei achando que era bom me depreciar.

Debaixo de muita afirmação, competitividade e rivalidade humanas; debaixo de muita autoconfiança e até arrogância, há muitas vezes um coração muito inseguro, muito menos confiante em si mesmo do que o comportamento exterior faria acreditar. Muitas vezes fiquei chocado descobrindo que homens e mulheres com talentos indiscutíveis e com prêmios por suas realizações têm tantas dúvidas sobre a própria virtude. Em vez de reconhecer no sucesso alcançado um sinal de sua beleza interior, usam-no para acobertar um senso pessoal de falta de mérito. Não poucos me disseram: "Se as pessoas soubessem o que vai no meu íntimo, poriam fim aos seus aplausos e louvor".

Lembro-me claramente de ter conversado com um jovem amado e admirado por todos os que o conheciam. Contou-me como uma pequena crítica de que modo um dos seus amigos o atirara num abismo de depressão. Quando falava, lágrimas rolavam dos seus olhos e seu corpo se contorcia em angústia. Ele sentia que seu amigo atravessara o muro de suas defesas e o enxergara como ele realmente era: um hipócrita vil, um homem despresível debaixo de uma armadura cintilante. Quando ouvi a sua história compreendi como ele levava uma vida infeliz, muito embora as pessoas a sua volta o invejassem pelos seus dons. Por anos ele havia caminhado por aí com as perguntas secretas: "Será que alguém realmente me ama? Será que alguém realmente se importa comigo?". E cada vez que subia um pouco mais alto na escada do sucesso, pensava: "Este não é realmente quem sou; um dia tudo virá água abaixo e as pessoas verão que não presto". Esse encontro ilustra como muitas pessoas vivem a sua vida - nunca confiando plenamente que sejam amadas como são. Muitos têm histórias terríveis que fornecem razões plausíveis para sua baixa auto-estima; histórias de pais que não lhes davam o que precisavam; de professores que os maltratavam; de amigos que os traíam e de uma Igreja que os deixou de fora, no frio, num momento crítico de sua vida.

Aparentemente nós todos participamos, em grau maior ou menor, de todas as formas de imperfeição humana. Nem ganância, nem raiva, nem luxúria, nem ressentimento, nem frivolidade, nem ciúmes estão totalmente ausentes em cada um de nós. Nossa imperfeição humana pode ser vivida de muitas maneiras, mas não há ofensa, ciúme ou guerra que não tenha suas raízes em nossos próprios corações.

Apesar de minhas melhores intenções, continuamente me descubro empenhado em adquirir poder. Quando dou conselho, quero saber se está sendo seguido; quando ofereço ajuda, quero que me agradeçam; quando dou dinheiro, espero que seja gasto a meu modo; quando faço algo de bom, desejo ser lembrado. Posso não ganhar uma estátua, ou mesmo uma placa comemorativa, mas estou constantemente preocupado em não ser esquecido; e de alguma maneira, continuar presente nos pensamentos e nas ações de outros.

Posso eu dar sem esperar algo de volta, amar sem estabelecer condições? Considerando minha imensa necessidade de reconhecimento e afeto, eu me dou conta de que será uma luta por toda a minha vida. Álias essa última frase entra naquilo do humanamente impossível, é claro que passando a vida tentando um comportamento desses, a gente consegue, vez por outra, realizá-lo e também consegue sentir o quanto isso nos faz bem. Fazer algo sem esperar nada em troca, isso é realmente gostoso, mas .....e sempre haverá um mas.....Temos mais fraquezas do que virtudes, aceitando isso, acho que já é um passo para se amar e assim amar um pouco mais ao próximo.